
Autor:  * Tião Ferreira
Como policial militar, enfrentei o maior  choque cultural da minha vida, ao ter de argumentar com todo tipo de  pessoas, do mendigo ao magistrado, entrar em todo tipo de ambiente, do  meretrício ao monastério.
Como  policial militar, fui parteiro, quando não dava tempo de levar as  grávidas ao hospital, na madrugada.
Como policial militar, fui psicólogo, quando um colega  discutia com a esposa, diante da incompreensão dela, às vezes, com a  profissão do marido.
Como policial militar, fui assistente  social, quando tinha de confortar a mãe de alguma vítima assassinada por  não possuir algo de valor que o assaltante pudesse levar.
Como policial militar, fui borracheiro e  mecânico, ao socorrer idosos e deficientes com pneus furados.
Como policial militar, fui pedreiro, ao  participar de mutirões para reconstruir casas destruídas por enchentes.
Como policial militar, fui paramédico  fracassado, ao ver um colega ir a óbito a bordo da viatura.
Como policial militar, fui paramédico  realizado, ao retirar uma espinha de peixe da garganta de uma criança.
Como policial militar, fui apedrejado por  estudantes da mesma escola na qual estudei e fui professor, por pessoas  do mesmo grêmio do qual participei.
Como policial militar, fui obrigado a me tornar gladiador em  arenas repletas de terroristas que são membros de torcidas organizadas,  em jogos de times pelos quais nem torço.
Como policial militar, sobrevivi a cinco  graves acidentes com viaturas, nunca a menos de 120km/h, na ânsia de  chegar rápido àquela residência onde a moça estava sendo estuprada ou na  qual um idoso estava sendo espancado.
Como policial militar, fui juiz da vara  cível, apaziguando ânimos de maridos e mulheres exaltados, que após a  raiva uniam-se novamente e voltavam-se contra a polícia.
Como policial militar, fui atropelado numa  blitz por um desses cidadãos que, por medo da polícia, afundou o pé no  acelerador e passou por cima de vários colegas.
Como policial militar, arrisquei-me a  contrair vários tipos de doenças, ao banhar-me com o sangue de vítimas  às quais não conhecia, mas que tinha obrigação de tentar salvar.
Como policial militar, arrisquei  contaminar toda a minha família com os mesmos tipos de doenças, pois, ao  chegar em casa, minha esposa era a primeira a me abraçar, nunca se  importando com o cheiro acre de sangue alheio, nem com as manchas que  tinha de lavar do uniforme.
Como policial militar, fui juiz de pequenas causas, quando, em  minha folga, alguns vizinhos me procuravam para resolver seus  problemas.
Como policial  militar, fui advogado, separando, na hora da prisão, os verdadeiros  delinquentes dos "laranjas", quando poderia tê-los posto no mesmo  "barco".
Como policial  militar, fui o homem que quase perdeu a razão, ao flagrar um pai  estuprando uma filha, enquanto a mãe o defendia.

Arte de Bruno Silva
Como policial militar, fui guardião de mortos por horas a fio,  sob o sol, a chuva e a neblina, à espera do rabecão, que, já lotado,  encontrava dificuldade para galgar uma duna mais alta, ou para penetrar  numa mata mais densa.
Como  policial militar, fiquei revoltado ao necessitar de um leito para minha  esposa parir e, ao chegar ao hospital da polícia, deparar-me com um  traficante sendo operado por um médico particular.
Como policial militar, fui o cara que mudou  todos os hábitos para sempre, andando em estado de alerta 25 horas por  dia, sempre com um olho no peixe e o outro no gato, confiando  desconfiado.
Como policial militar, fui xingado,  agredido, discriminado, vaiado, humilhado, espancado, rejeitado,  incompreendido.
Na hora  do bônus, esquecido; na hora do ônus, convocado.
Tive de tomar, em frações de segundo,  decisões que os julgadores, no conforto de seus gabinetes, tiveram meses  para analisar e julgar.
E  mesmo hoje, calejado, ainda me deparo com coisas que me surpreendem,  pois afinal ainda sou humano.
Não queria passar pelo que passei, mas fui voluntário, ninguém  me laçou e me enfiou dentro de uma farda, né!?
Observando-se por essa ótica, é fácil ser  dito por quem está "de fora" que minha opinião não importa, ou que,  simplesmente, não existe.
Amo  o que faço e o faço porque amo.
Tanto que insisto em levar essa vida, e mesmo estando  atualmente em outra esfera do serviço policial, sei que terei de passar  por tudo de novo, a qualquer hora, em qualquer dia e em qualquer lugar.
E o farei sem reclamar, nem recuar, porque  se o senhor não guarda a cidade, em vão vigia a sentinela!
Por isso é que fazemos nossa parte: Vigilantes sempre!
Que  deus abençoe a todos nós!!!
* Tião  Ferreira é desenhista de quadrinhos, animador, estudante de História,  ex-palhaço de circo, ex-carteiro, ex-policial militar e, atualmente,  policial civil.Também é criador do blog Game Arte:
http://www.gamearte.blogspot.com/
Um comentário:
Realmente, tudo exposto no texto é verdade. Mais ainda tem muita gente que diz que nós Policiais Militares NÃO FAZEMOS NADA! E os deputados não enxergam isso !
Postar um comentário