terça-feira, 15 de julho de 2008

O uso de algemas

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Impresso em 15/07/2008
O uso de algemas

A realidade dentro e fora do sistema normativo no Brasil. O uso de algemas é regulado por decreto federal, mas qual?

Júnio Alves Braga Barbosa
17/03/2005

E tempo, o Brasil sempre esteve regulado pelo uso de algemas, tácita ou expressamente, desde as ordenações Filipinas (Século XVII), passando pelo Código Criminal do Império (1830) e chegando aos dias atuais com o advento do CPP (1941) omitindo em termos, nos dizeres dos artigos 284 ("não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso") e 292 ("se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto-subscrito também por duas testemunhas"). Logo, perceber-se que apenas em casos de exceções, em termos de resistência ou tentativa de fuga, será admitido o uso de algemas, isto sem ferir o respeito à integridade física e moral, conforme art. 5º, XLIX, CF.

O uso de algemas em nosso país teria que ser regulado, conforme prevê a Lei 7.210 de Execução Penal (art. 199: O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal"), por decreto federal, sendo que até o instante momento, por decreto federal não há nada, exatamente, nada! O Interessante destacar é que a LEP é do ano de 1984, do qual não foi promulgado pelo Executivo até a edição da CF/88, ou seja, devendo agora, a matéria ser objeto de lei, e até hoje inexistente. Passados 21 anos sem que o legislativo não executasse nenhuma iniciativa.

Percebe-se que vivemos em um sistema da civil law, onde todo Direito deveria ser expresso na forma escrita, porém encontra-se insegurança quando há uma abstenção de um determinado assunto. Pois bem, mas ao “folhear” todo o direito positivado, defrontar-se-á já alguns ditames a cerca da problemática.

Assina-la apresentar algumas matérias tratando sobre o uso da algema, tal como já o Estado de São Paulo tem o uso de algemas regulamentado, conforme apresenta o delegado de polícia CARLOS ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ (www.ibccrim.org.br, 28.02.2002), pelo D. 19.903, de 30.10.1950, que dispõe, in verbis:

"Art. 1º O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:

1º Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga.

2º Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força.

3º Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.“

Ainda em seu art. 2º, que “os abusos e irregularidades, no emprego do meio de contenção de que trata o presente decreto, serão levados ao conhecimento do senhor secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública, ou dos delegados auxiliares, que procederão, rigorosamente, contra as autoridades ou agentes faltosos, instaurando os procedimentos cabíveis à completa apuração de sua responsabilidade e aplicando as penas correspondentes nos termos da legislação em vigor". Adiante, por força do art. 3º do decreto, "as dependências policiais manterão livro especial para o registro das diligências em que tenham sido empregadas algemas, lavrando-se o termo respectivo, o qual será assinado pela autoridade, escrivão e pelo condutor do preso, infrator ou insano recolhido em custódia (...)".

Oportuno também expressar que o CPP Militar (1969) prevê, no § 1º do art. 234, que "o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso". Preservando o espírito elitista das Ordenações Filipinas, o código proíbe, terminantemente, no art. 242, § 1º, in fine, a utilização de algemas em presos "especiais", tais como ministros de Estado, governadores, parlamentares, magistrados, oficiais das Forças Armadas (inclusive os da reserva) e da Marinha Mercante, portadores de diplomas de nível superior e demais "amigos do rei", os quais ficam presos e são conduzidos sem ferros, porventura tenham praticado crime militar.

No Estado do Rio de Janeiro, interpreta-se em âmbito de sistema penitenciário, a Portaria nº 288/JSF/GDG, de 10.11.1976 (DORJ, parte I, ano II, nº 421), que considera a utilização de algemas importante meio de segurança "ao serviço policial de escolta, para impedir fugas de internos de reconhecida periculosidade", respeitando é claro, o que se diz, que os servidores evitem "o emprego de algemas, desde que não haja perigo ou agressão por parte do preso", e proíbe sua utilização nas pessoas contempladas como "especiais" pelo CPP Militar, ainda que estejam presas à disposição da justiça comum. Mais adiante, a norma relata que se houver "servidores que de alguma forma tiverem necessidade de empregar algemas", e apresentarem, "após a diligência, ao chefe de Serviço de Segurança, emitirá relatório explicativo sobre o fato", sujeita sua não-observância a penalidades administrativas.

Com o devido licenciamento à analogia, concorre-se a Lei 9.537/97, que cuida da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, dispõe em seu art. 10 o seguinte: "O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: I - impor sanções disciplinares previstas na legislação pertinente; II - ordenar o desembarque de qualquer pessoa; III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga". Nota-se as palavras, “necessidade” e “imprescindível”, dando uma conotação de último recurso.

Pois bem, a dura verdade que ocorre fora do plano normativo, é realmente um desrespeito de enorme grandeza, dos quais os servidores públicos ligados a área de segurança pública, não tem a mínima de cautela e austeridade ao defrontar-se com o algemado, e podemos citar vários exemplos, como idosos sendo vítima desta desonra, indivíduos com boas procedências e etc., o que importa dizer é que a realidade “dói”, e se algema for sinônimo de soberania, poder, não saber-se-á mais dizer que país é esse! É preciso despertar-se para o novo milênio que inicia, sobrepor os conceitos fundamentais do art. 5º da nossa “maravilhosa” Constituição Federal de 1988, e aproveitando a ocasião, “vivenciar de direito” a Lei 4.898/65, citando os referidos art. 3º, i (atentar contra a "incolumidade física do indivíduo") c/c art. 4º, b ("submeter pessoa sob a sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei"), da L. 4.898/65 no decidido caso concreto.

Para complementar, a ofensa à dignidade da pessoa humana é tão compreensível, tão escandalosa, causadora de constrangimentos, que julgamentos realizados pelo júri são anulados por nossos tribunais quando o acusado é mantido algemado durante a sessão, como por exemplo:

"JÚRI - NULIDADE - RÉU MANTIDO ALGEMADO DURANTE OS TRABALHOS SOB A ALEGAÇÃO DE SER PERIGOSO - INADMISSIBILIDADE - FATO COM INTERFERÊNCIA NO ÂNIMO DOS JURADOS E, CONSEQÜENTEMENTE, NO RESULTADO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - NOVO JULGAMENTO ORDENADO - APLICAÇÃO DO ART. 593, III, A, DO CPP - Írrito o julgamento pelo Júri se o réu permaneceu algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstância interfere no espírito dos jurados e, conseqüentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa à nulidade”.(TJSP - Ap. 74.542-3 - 2ª C. - J. 08.05.1989 - Rel. Des. RENATO TALLI - RT 643/285)

Enfim, diante de todos estes fatos, far-se-á lembrar do ilustre Jeremy Bentham, pai do utilitarismo filosófico, que exerceu tamanha influência sobre os preceitos do direito penal, dos quais é necessário provocar uma reflexão indagando: “o que é mais útil?”, ou melhor, “o que é mais útil, justo e eficaz?”.

Bibliografias:

BENTHAM, J. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

VICENTINO, Cláudio e DORIGO, Gianpaolo. História para o ensino médio. 2º Ed. São Paulo: Editora Scipione, 2002.

GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas no nosso país está devidamente disciplinado? . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 01 mar. 2005.

VIEIRA, Luiz Guilherme. Algemas: Uso e abuso. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 16 - OUT-NOV/2002, pág. 11.

LEI FEDERAL Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a lei de Execução Penal.

LEI FEDERAL Nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.

LEI FEDERAL Nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências.

DECRETO-LEI FEDERAL Nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro.

DECRETO-LEI FEDERAL Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro

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